domingo, 16 de novembro de 2014

Doenças negligenciadas estão nos países pobres e em desenvolvimento

Espalhadas por todo o planeta, mais de um bilhão de pessoas vivem com menos de US$ 2 por dia: seja no Brasil ou outros países da América Latina e do Caribe, na África, na Ásia e, também, nos Estados Unidos e em alguns países da Europa. Estão principalmente no campo, em áreas urbanas de pobreza extrema e em regiões de conflito. Sofrem de todo tipo de carência – de água potável, de escolaridade, de saneamento básico, de moradia e de acesso a tratamentos de saúde – e são as principais vítimas de doenças negligenciadas.
O progresso científico dos últimos 30 anos, principalmente em países desenvolvidos, gerou avanços médicos sem precedentes e um ganho substancial na expectativa de vida. Um artigo publicado na revista Lancet, em 2006, apontou que, entre 1975 e 2004, foram registrados 1.556 medicamentos. Destes, porém, apenas 21 foram registrados para doenças negligenciadas, apesar de representarem 12% da carga global de doenças. E mais: em 2002, quando o mercado mundial de fármacos era de US$ 400 bilhões, nos Estados Unidos 194 novos medicamentos estavam sendo desenvolvidos pela indústria farmacêutica e de biotecnologia, dos quais apenas uma única droga era contra doenças parasitárias e nenhuma era vacina contra doenças tropicais.
A lista de doenças consideradas negligenciadas varia de um país para outro. Atualmente, a Organização Mundial da Saúde (OMS) concentra seus esforços em dois grandes grupos: doenças tratáveis e contra as quais existem meios de combate (como filariose linfática, oncocercose, esquistossomose e dengue), e doenças ainda sem tratamento e que exigem cuidados específicos (como leishmaniose e doença de Chagas). No Brasil, o quadro de doenças negligenciadas é inquietante, a julgar pelas informações disponíveis em artigos publicados em periódicos qualificados da área médica. Peter Hotez, da George Washington University Medical Center, nos EUA, aponta que grande parte dessas doenças da América Latina e Caribe ocorre atualmente no Brasil, incluindo todos os casos de tracoma e hanseníase, e a maioria dos casos de ascaríase, dengue, ancilostomíase, esquistossomose e leishmaniose visceral.
Muitas pesquisas têm sido desenvolvidas. Um artigo publicado na Nature Genetics em 2002 apontava, dentre as dez biotecnologias de maior impacto na saúde dos países em desenvolvimento, os métodos diagnósticos de doenças infecciosas, simples e baratos, baseados em tecnologias moleculares; as vacinas recombinantes contra doenças infecciosas; os biofármacos recombinantes mais baratos (insulina, interferons); a bioinformática para identificação de alvos para fármacos e estudo de interações patógeno-hospedeiro; e o sequenciamento de genomas de patógenos com vistas à compreensão de sua biologia e ao desenvolvimento de novos agentes antimicrobianos.
De acordo com estudos publicados pelo Instituto George para a Saúde Internacional, com apoio da Fundação Bill & Melinda Gates, em 2007 foram investidos US$ 2,56 bilhões em pesquisa de doenças negligenciadas. Desse total, pesquisas sobre a Aids ficaram com 42%; malária e tuberculose, com outros 34% e, menos de 5%, foram para pesquisas em doença do sono, leishmaniose visceral e doença de Chagas, que afetam juntas mais de 500 milhões de pessoas.
Segundo Michel Lotrowska, diretor do escritório regional no Rio de Janeiro da Iniciativa Medicamentos para Doenças Negligenciadas (DNDi, na sigla em inglês), "em 2003, a África consumia apenas 1% dos remédios produzidos na época". Lotrowska conta que a DNDi surgiu justamente ante às constatações da organização Médicos Sem Fronteiras (MSF), que faltavam medicamentos em regiões empobrecidas. E acrescenta: "para doenças que também atingiam países ricos, os remédios eram muito caros; para doenças que só atingiam países pobres, os remédios eram muito velhos, sem inovação, e por vezes com muitos efeitos colaterais". A DNDi trabalha no desenvolvimento de produtos sem fins lucrativos, pesquisa e desenvolve novos tratamentos para as doenças mais negligenciadas e tem como parceiros fundadores o Instituto Pasteur, na França, a Fiocruz, no Brasil, o Ministério da Saúde da Malásia e os institutos de pesquisa clínica da Índia e do Quênia. Seu principal objetivo é fornecer, até 2014, de seis a oito novos tratamentos que atendam às necessidades desses pacientes.
Para Lotrowska, a situação é consequência "tanto de políticas públicas insuficientes voltadas para P&D de medicamentos de interesse nacional dos países em desenvolvimento, quanto da falta de mercado, provocada pelo baixo interesse econômico que esses pacientes representam para a indústria". Com baixo poder aquisitivo e sem influência política, os doentes e sistemas de saúde de países pobres não conseguem gerar o retorno financeiro exigido pela maior parte das empresas.
ALGUNS AVANÇOS Desde 2006, a OMS e suas mais de 25 organizações parceiras adotam a quimioterapia preventiva como estratégia de combate à oncocercose, à filariose linfática, à esquistossomose e às geohelmintíases. Para combatê-las, populações afetadas recebem medicamentos a preços muito reduzidos ou doados por fabricantes.


Se compararmos o quadro atual com o de 1985, há margem para otimismo. Naquele ano a OMS estimava que, em todo o mundo, cerca de 360 milhões de pessoas sofriam de tracoma e 5,2 milhões de hanseníase. Atualmente, ainda são muitos os afetados por tracoma – 80 milhões de pessoas – mas a queda foi de mais de 75%. A hanseníase afeta pouco menos de 213 mil pessoas e, nesse período, mais de 14,5 milhões de pessoas foram curadas.
Em dez países da África do oeste, a oncocercose não é mais um problema de saúde pública, nem é considerada uma doença importante do ponto de vista socioeconômico. Outro resultado promissor é com a dracunculose que, em 1985, atingia cerca de 3,5 milhões de pessoas em 20 países. Hoje, são identificados menos de 5 mil casos em seis países, dos quais 98% estão concentrados em Gana e no Sudão.
Desde 2000, o tratamento contra filariose linfática foi intensificado. Em 2007, 546 milhões de pessoas, de 48 dos 81 países endêmicos, foram submetidas a um tratamento preventivo dessa doença: em agosto de 2007, a China foi o primeiro país a eliminar a filariose linfática enquanto problema de saúde pública, seguido pela República da Coreia, em março de 2008.


BOA VONTADE Ainda timidamente, a indústria farmacêutica tem assumido compromissos. Pfizer, Merck, Sanofi-Aventis, Bayer, Eisai e outras têm feito parcerias em P&D de novas drogas e na distribuição de medicamentos a populações afetadas. Nos últimos dois anos foram lançados, entre outros, dois medicamentos antimalária e um novo tratamento para estágios avançados de doença do sono. Quase 40 anos após o lançamento dos dois únicos remédios disponíveis para doença de Chagas, foi anunciado, em 2009, um acordo entre a DNDi e a Eisai para teste de um novo medicamento contra a doença.
Recentemente, a Pfizer Inc. abriu sua biblioteca de cerca de 200 mil compostos à DNDi e parceiros para testes contra a doença do sono, a leishmaniose visceral e a doença de Chagas. Acordo semelhante também foi firmado com a Medecines for Malaria Ventures (MMV) para testes contra o Plasmodium falciparum, que causa a malária aguda.
BRASIL TENTA FAZER SUA PARTE A situação melhorou desde 2003, embora ainda longe da ideal. Para o representante da DNDi, o Brasil se destaca no cenário internacional: "é o sexto no mundo em investimentos em pesquisa de doenças negligenciadas e o primeiro dentre os países em desenvolvimento". Em 2008, os países e blocos que mais investiram em pesquisas de doenças negligenciadas são os EUA, com US$ 1,2 bilhão(70%) seguidos pela União Europeia como um todo, e Inglaterra, Holanda, Irlanda, respectivamente. O Brasil, em sexto lugar, investiu US$ 21,9 milhões (1,24%).
Além de investir em pesquisa, é preciso passar o conhecimento científico para a inovação na indústria. E desenvolver novos produtos requer mecanismos inovadores de financiamento e redução de custos. Michel Lotrowska acrescenta que para doenças negligenciadas o sistema de patentes de novos medicamentos não funciona: "o sistema precisa ter sustentabilidade; não basta descobrir uma nova droga; é preciso testá-la, distribuí-la, treinar médicos e tratar pacientes. Isso tem um custo elevado". Sem parcerias entre governos, instituições não governamentais e empresas privadas e sem estímulos e compensações, doenças continuarão negligenciadas e milhões de pessoas permanecerão doentes e esquecidas.


Leonor Assad

terça-feira, 11 de novembro de 2014

Nas últimas décadas, cerca de 1.400 novas moléculas foram autorizadas para testes em humanos para o tratamento de doenças em geral.

Desse total, apenas 16 foram direcionadas para o tratamento de doenças tropicais negligenciadas (DTN).

Doenças tropicais negligenciadas são determinados males infecciosos que se desenvolvem em climas quentes e úmidos e que afetam mais de 1 bilhão de pessoas pobres, principalmente na África, Sudeste Asiático, América Latina e Caribe, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS).




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As doenças negligenciadas são aquelas causadas por agentes infecciosos ou parasitas e são consideradas endêmicas em populações de baixa renda. Essas enfermidades também apresentam indicadores inaceitáveis e investimentos reduzidos em pesquisas, produção de medicamentos e em seu controle. As doenças tropicais, como a malária, a doença de Chagas, a doença do sono (tripanossomíase humana africana, THA), a leishmaniose visceral (LV), a filariose linfática, o dengue e a esquistossomose continuam sendo algumas das principais causas de morbidade e mortalidade em todo o mundo. Estas enfermidades, conhecidas como doenças negligenciadas, incapacitam ou matam milhões de pessoas e representam uma necessidade médica importante que permanece não atendida. Embora as doenças tropicais e a tuberculose sejam responsáveis por 11,4% da carga global de doença, apenas 21 (1,3%) dos 1.556 novos medicamentos registrados entre 1975 e 2004, foram desenvolvidos especificamente para essas doenças. Portanto, 1.535 medicamentos foram registrados para outras doenças.
As doenças negligenciadas são um grupo de doenças tropicais endêmicas, especialmente entre as populações pobres da África, Ásia e América Latina. Juntas, causam entre 500 mil e 1 milhão de óbitos anualmente. As medidas preventivas e o tratamento para algumas dessas moléstias são conhecidos, mas não são disponíveis universalmente nas áreas mais pobres do mundo. Em alguns casos, o tratamento é relativamente barato. Em comparação às doenças negligenciadas, as três grandes enfermidades (Aids, tuberculose e malária), geralmente recebem mais recursos, inclusive para pesquisa. As doenças negligenciadas podem também tornar a Aids e a tuberculose mais letais.
Um estudo recente sobre o financiamento mundial de inovação para doenças negligenciadas (G-Finder2, na sigla em inglês) revelou que menos de 5% deste financiamento foram investidos no grupo das doenças extremamente negligenciadas, ou seja, doença do sono, leishmaniose visceral e doença de Chagas, ainda que mais de 500 milhões de pessoas sejam ameaçadas por estas três doenças parasitárias. As doenças negligenciadas são um problema global de saúde pública, mas a P&D das indústrias farmacêuticas é orientada quase sempre pelo lucro, estando o setor industrial privado focado nas doenças globais para as quais medicamentos podem ser produzidos e comercializados com geração de lucros. Com baixo poder aquisitivo e sem influência política, os pacientes e sistemas de saúde mais pobres não conseguem gerar o retorno financeiro exigido pela maior parte das empresas voltadas ao lucro.
Esse cenário levou à criação da iniciativa Medicamentos para Doenças Negligenciadas (DNDi), uma organização de pesquisa e desenvolvimento sem fins lucrativos que trabalha com a finalidade de oferecer novos tratamentos para doenças negligenciadas, em particular, para a doença do sono (tripanossomíase humana africana), doença de Chagas, leishmaniose, infecções por helmintos específicos (filariais), malária e HIV pediátrico. Desde a sua criação em 2003, a DNDi disponibilizou seis tratamentos: dois antimaláricos de dose fixa (ASAQ e ASMQ), a terapia combinada de nifurtimox e eflornitina (NECT) para a fase avançada da doença do sono, a terapia combinada à base de estibogluconato de sódio e paromomicina (SSG & PM) para a leishmaniose visceral na África, um conjunto de terapias de combinação para a leishmaniose visceral na Ásia e uma  dosagem pediátrica do benznidazol para a doença de Chagas. O escritório regional da DNDi na América Latina está sediado no Rio de Janeiro, onde funciona desde 2004. E a Fiocruz tem sido um importante parceiro da DNDi. Após seu lançamento, em abril de 2008, a DNDi e o Instituto de Tecnolgia em Fármacos (Farmanguinhos/Fiocruz) concluíram a transferência de tecnologia do ASMQ para a empresa farmacêutic Cipla, na Índia. Atualmente, um estúdio clínico multicêntrico de fase 4 avalia o ASMQ como possível alternativa para o tratamento da malária na África.
No fim de 2012, a Fundação anunciou a assinatura de um acordo colaborativo para o desenvolvimento de novos medicamentos e vacinas para  doenças negligenciadas típicas dos trópicos. A parceria terá início com a produção de um medicamento para o combate à malária cerebral, que ocorre quando o protozoário causador da doença adere às paredes dos vasos sanguíneos na região do cérebro, o que resulta na obstrução do fluxo sanguíneo

Ricardo Valverde
http://www.agencia.fiocruz.br/doen%C3%A7as-negligenciadas

Vídeo interessante dos médicos sem fronteiras abordando o assunto.